O Plano Clima e as gerações futuras

Por Funatura

19 de setembro de 2024

Artigo de Cesar Victor do Espírito Santo

Coordenador de projetos da Funatura e membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)

Na reunião (11/9/24) do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), da qual participei como convidado, tive a oportunidade de conhecer a força de jovens que fazem parte do Conanda, representando diferentes partes do Brasil, e me orgulhar de ver que há, em nosso país, uma galera nova se preparando e se empoderando para assumir diferentes e necessárias lutas na busca de um país mais justo e que respeite as futuras gerações. Ressaltei a importância da articulação com as diferentes políticas públicas, especialmente na questão do plano clima e no apoio à tramitação em regime de urgência, do PL nº 2225/2024, de autoria da Dep. Laura Carneiro, que estabelece o Marco Legal Criança e Natureza.

O Plano Clima Brasil, em processo de elaboração no âmbito do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, sob a condução da Secretaria Nacional de Mudança do Clima do MMA, talvez seja o mais importante plano para o país nas próximas décadas, tendo em vista os impactos a médio e longo prazos, positivos ou negativos, que poderá ocasionar às futuras gerações, bem como a condição estratégica ímpar que o país possui em função da sua dimensão continental e a sua importância para o planeta Terra. Uma série de audiências públicas está ocorrendo em todos os biomas brasileiros, buscando uma ampla participação social na elaboração do Plano, o qual pretende delinear as principais estratégias e planos setoriais para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, tendo como meta principal o que foi definido no acordo de Paris, cujo objetivo é manter o aumento da temperatura global bem abaixo de 2°C, com esforços para limitar a 1,5°C, em relação aos níveis pré-industriais.

Entendo que a sociedade deva estar bastante atenta ao que será previsto no Plano Clima Brasil, tendo em vista que se não forem atacadas as principais causas da emissão de gases do efeito estufa (GEE), pouca serventia terá para que se possa garantir de forma segura as condições mínimas para que as futuras gerações possam viver dignamente no ambiente que será deixado pelo que for feito e planejado pelas atuais gerações.

O que estamos assistindo no Brasil é assustador e extremamente preocupante com que poderá acontecer nos próximos anos, com o aumento da emissão de GEE, em função principalmente do contínuo desmatamento provocado pelas mudanças no uso do solo ocasionadas pelo avanço da fronteira agrícola (agronegócio), especialmente na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal, com as queimadas que avançam a cada ano em todos biomas e com o aumento do uso e da exploração de combustíveis fósseis (petróleo e gás).

Em resposta aos sérios impactos que as queimadas estão ocasionando em todos os biomas brasileiros e à própria população, o presidente Lula anunciou a criação da Autoridade Climática, fato que confere ao país um status de maior relevância no trato da questão do enfrentamento às mudanças climáticas. Resta saber se essa Autoridade Climática terá força suficiente para que o governo possa, de fato, implementar o que é necessário para reduzir as emissões de GEE para controlar o aumento da temperatura em nosso país, mantendo-a em níveis aceitáveis para que as gerações futuras vivam em condições ambientais dignas.

Não precisamos ser especialistas para deduzir que é com ações que atinjam os setores do agronegócio e dos combustíveis fósseis, disparados os maiores emissores de GEE, que o Plano Clima possa realmente ser eficaz e fazer diferença, garantindo um futuro promissor para as futuras gerações. É inadmissível que o governo federal continue incentivando, por meio de isenções fiscais, o agronegócio em ações que levem a novos desmatamentos e, consequentemente, a queimadas incontroláveis. É inadmissível que o governo federal conceda licenças para novas prospecções visando à exploração de petróleo na margem equatorial e em qualquer outra parte do nosso território, bem com a exploração de gás natural, especialmente a que se utiliza do método de fracking. Isto realmente não é compatível com um Plano Clima que se proponha a controlar e reduzir as emissões de GEE.

Todas as outras estratégias e os planos setoriais, por mais bem delineados que sejam, não serão suficientes para se atingir as metas que se pretende e conter o aumento da temperatura, que já está acontecendo agora. O corte tem que ser na carne e o governo federal tem que mudar a sua estratégia em relação a estes setores. Infelizmente, as forças pendem para o lado do avanço da fronteira agrícola e da exploração e uso de petróleo.

Na Coreia do Sul, em decisão inédita no mundo (29/8/2024), o Tribunal Constitucional, após julgar ação movida por ativistas da sociedade civil, concluiu que a ausência de metas legalmente obrigatórias para redução de GEE para o período de 2031 a 2049 viola os Direitos Constitucionais das próximas gerações, e que o governo não cumpriu o dever de proteger esses direitos. Os juízes deram à assembleia nacional e aos líderes sul-coreanos até 28 de fevereiro de 2026 para emendar a lei para incluir essas metas de longo prazo.

Acredito que, no Brasil, a sociedade terá que fazer a mesma coisa, acionar o Supremo Tribunal Federal com o objetivo de garantir um efetivo controle das emissões de GEE e o direito previsto na constituição brasileira, conforme o Artigo 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

(Publicado no jornal Correio Braziliense, em 17/09/2024)

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