Anta fêmea Tapirus terrestris com seu filhote nas proximidades da fábrica de celulose da Suzano S.A., na fazenda Barra do Moeda.
Foto Paulo de Tarso Zuquim Antas
A Funatura renovou por mais dois anos, até fevereiro de 2023, a parceria com a Suzano S.A. para monitoramento da fauna e da flora na Fazenda Barra do Moeda, ao redor da fábrica de celulose, no município de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul. O local foi declarado Área de Alto Valor de Conservação junto à ONG internacional Conselho de Manejo Florestal (Forest Stewardship Council ou FSC, na sigla em inglês).
Desde 2017, a equipe de biólogos e engenheiros florestais da Funatura vem monitorando a fauna vertebrada terrestre e a flora arbórea na área, inscrita pela Suzano no programa de certificação florestal da FSC. Podem ser inscritas no programa áreas que se destaquem pela quantidade de espécies ameaçadas, endêmicas e raras.
O biólogo e doutor em Ecologia Paulo de Tarso Antas, consultor da Funatura, coordena o trabalho no local, na área de silvicultura comercial e na de vegetação nativa. “Utilizamos técnicas cientificamente consagradas, como a verificação de parcelas permanentes de flora arbórea nas diferentes formações vegetais nativas e avaliação quantitativa e qualitativa das espécies de anfíbios, répteis, aves e mamíferos nessas formações e nos talhões comerciais de eucalipto”, explica.
Antes da silvicultura comercial de eucalipto, nos anos 1990, grande parte da fazenda da Suzano S.A. era utilizada para a criação de gado. Atualmente, 1,9 mil dos 5,8 mil hectares são Áreas de Alto Valor de Conservação. São formações de Cerradão, Floresta Paludosa e Floresta Estacional Semidecidual, além de pastagens vizinhas em recuperação ambiental espontânea.
A fazenda está inserida no bioma Mata Atlântica, conforme reconhecido pelo Ministério do Meio Ambiente, com uma pequena porção no bioma Cerrado.
FLORA
“Os resultados de flora arbórea mostram o avanço da recuperação ambiental nos fragmentos de Cerradão, cerca de 30 anos após a finalização da pressão de corte de árvores nativas, pastoreio e controle de fogo”, conta o biólogo Paulo de Tarso. “Há um incremento do diâmetro dos troncos das árvores e a natural diminuição de indivíduos por hectare, sinais do avanço da recomposição ambiental”.
Encontram-se espécies como ipê-roxo (Handroantus impetiginosus) e baru (Dipteryx alata), catalogadas como ameaçadas pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Já a aroeira (Myracrodruon urundeuva) e o gonçalo-alves (Astronium fraxinifolium), também presentes, estão protegidas por portarias do Ibama e do Imasul/MS, o órgão estadual de conservação.
FAUNA
Na fazenda Barra do Moeda da Suzano S.A., foram identificadas 34 espécies de anfíbios, 16 de lagartos, 25 serpentes, duas cobras-de-duas-cabeças e dois jacarés.
Também foi detectado o jacarepaguá (Paleosuchus palpebrosus), considerado ameaçado no estado de São Paulo. Essa população poderia ser “uma fonte exportadora de indivíduos para a margem oposta do rio Paraná, naquele estado”, segundo as pesquisas da Funatura.
Três cobras do gênero fossorial Apostolepsis, ainda pouco estudadas e sem status de conservação, foram observadas por lá. No caso de A. goiasensis, foi encontrado o segundo exemplar vivo até hoje. Esse encontro está descrito na publicação científica que pode ser conferida aqui.
Das 327 espécies de aves identificadas no local, 19 foram detectadas a partir de 2017, quando a Funatura começou o monitoramento. No grupo de espécies ameaçadas conforme a IUCN e MMA, oito ocorrem na Área de Alto Valor de Conservação da fazenda, das quais três são anualmente detectadas e indicam uma população estável.
ZONA DE CONTATO
“Localizamos 14 aves endêmicas dos biomas Mata Atlântica e Cerrado, reforçando a indicação de ser uma zona de contato entre ambos”, afirma o responsável pela pesquisa, Paulo de Tarso.
A listagem de mamíferos compreende 79 espécies, das quais 24 são morcegos. Paulo explica que há uma ênfase no monitoramento desse grupo e os indivíduos são anilhados para acompanhamento posterior de movimentos e tamanho de populações. “Entre os morcegos, algumas espécies atuam como controladoras populacionais de insetos, dispersoras de sementes e também como polinizadoras importantes na flora nativa”, diz.
O mamífero de médio e grande porte mais registrado no local é a anta Tapirus terrestres. Maior mamífero terrestre do país, a anta é importante na dispersão das plantas das quais se alimenta. “A densidade de registros na fazenda é um excelente indicador da manutenção do seu papel na renovação populacional dessas plantas e sua dispersão por locais antes alterados por ação humana, tendo em vista o grande raio de movimentação de cada anta”, conta Paulo.
As condições ambientais da fazenda Barra do Moeda são excelentes para a espécie, conforme consta na lista de ameaçadas de extinção do MMA e da IUCN.
ATROPELAMENTOS DE FAUNA
Desde fevereiro de 2019, a equipe da Funatura também monitora, semanalmente, os atropelamentos de fauna terrestre no trecho de 79 km da BR 158, nos municípios de Três Lagoas e Brasilândia, rodovia que passa nos limites da fazenda Barra do Moeda.
A média mensal é de 16,3 atropelamentos. Apesar da pandemia por Covid-19 em 2020, que poderia ocasionar uma redução de tráfego de veículos, a Funatura não detectou uma diminuição significativa em relação a 2019. Uma análise comparativa com seis rodovias do bioma Cerrado mostra que esse trecho estaria em penúltimo lugar no índice de atropelamentos por quilômetro.
“Foram mapeados onze setores críticos”, destaca Paulo de Tarso. “A análise da ocupação do solo no entorno dos setores críticos mostra que a mescla de vegetação nativa, pastagens e plantios comerciais de eucalipto, áreas usadas somente como pastagens e a RPPN Cisalpina são as feições de ambiente onde houve maior concentração de trechos críticos”.
Duas espécies consideradas ameaçadas estão entre as mais afetadas, a anta Tapirus terrestris e o tamanduá-bandeira Myrmecophaga trydactyla. O atropelamento nas estradas é considerado uma das pressões negativas sobre as populações dessas espécies.
A Funatura recomendou medidas mitigatórias nos trechos detectados, cuja implantação depende de ação do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (DNIT), o órgão federal responsável pela rodovia, em conjunto com o órgão ambiental estadual e demais instituições envolvidas.