Artigo de Benedito Alísio da Silva Pereira
Doutor em Ecologia (UnB) e fundador do site www.arvoresdobiomacerrado.com.br
Todos os anos, na estação seca, os moradores do Cerrado têm a oportunidade de contemplar um dos mais deslumbrantes espetáculos proporcionados pela vegetação desse bioma – o florescimento dos ipês, também chamados pau-d’arco. Mesmo as pessoas muito ocupadas ou pouco atentas, que vivem em regiões excessivamente desmatadas, ou em cidades pouco arborizadas, notam esse admirável evento.
Os ipês são plantas lenhosas que pertencem à família vegetal chamada Bignoniaceae, a mesma do ipê-mirim ou ipê-de-jardim (Tecoma stans), do coité ou cuité (Crescentia cujete) e da tulipa-africana (Spatodea campanulata), plantas há muito tempo introduzidas no Brasil e cultivadas em cidades e no meio rural. Também são dessa família várias dezenas de espécies de ervas, subarbustos, arbustos, trepadeiras e árvores naturais dos campos, cerrados e matas do Cerrado e do restante do Brasil. Alguns exemplos são a vergatesa (Anemopaegma arvense), planta rasteira de flores creme-amareladas a cujas raízes se atribuem propriedades afrodisíacas; o pente-de-macaco (Amphilophium crucigerum), trepadeira que frequentemente cobre a copa das árvores com cachos de flores arroxeadas, tornando-as confundíveis com os ipês-roxos; e o carobão (Jacaranda cuspidifolia), árvore de flores azul intenso, muito chamativas, e bastante utilizada em arborização urbana.
Os ipês pertencem a dois gêneros dessa família: Handroanthus, com 27 espécies no Brasil, 7 das quais no Cerrado; e Tabebuia, com 12 espécies em todo o país e 4 nesse bioma. Dentre elas estão espécies de ampla dispersão, como é o caso de Handroanthus serratifolius, que ocorre no Brasil inteiro; e elementos de distribuição muito restrita, cujo principal exemplo é a H. diamantinensis, até agora só encontrada em um enclave de cerrado no estado da Bahia. Estão também espécies que são exclusivas de cerrados (H. ochraceus e T. aurea) e preferenciais de matas (p.ex.: H. heptaphyllus, H. impetiginosus e H. serratifolius), todas em solos bem drenados, mas muito variáveis quanto ao relevo e às propriedades físico-químicas. Uma das espécies de mata, H. umbellatus, destoa por ser exclusiva de planícies permanentemente brejosas.
As flores dos ipês são grandes, vistosas e com as pétalas ligadas entre si, dando à corola um formato similar ao de um funil ou de uma campânula. A corola, que é a parte chamativa das flores dos ipês, varia enormemente quanto à cor predominante. Existem espécies com corola que ora são interpretadas como roxas e ora como lilases ou como magenta (H. heptaphyllus e H. impetiginosus), de flores amarelas (H. chrysotricus, H. diamantinensis, H. ochraceus, H. serratifolius, H. umbellatus e Tabebuia aurea), de flores branco-rosadas (T. roseo-alba), de flores branco-amareladas (T. insignis) e de flores brancas (T. obtusifolia). A face interna da corola dos ipês roxos, brancos e branco-rosados possui uma mácula amarela que provavelmente está relacionada à atração de visitantes florais; enquanto a dos ipês amarelos possui linhas avermelhadas que se direcionam para o fundo da corola e são chamadas ‘guias de néctar’, por serem consideradas indicadoras da localização dessa preciosa substância.
Como as flores são os elementos de maior destaque nos ipês, foi com base em suas cores (mais precisamente nas cores de suas corolas) que foram inventados os nomes que o povo usa para designá-las. No Cerrado e no restante do Brasil são dados os nomes de ipê-roxo (ou pau-d’arco), amarelo e branco às espécies de flores roxas (ou lilases, ou majenta), amarelas, branco-rosadas e brancas, respectivamente. Algumas variações desses nomes, dentro e fora do Cerrado, são: caraíba, ipê-amarelo-do-cerrado e paratudo para T. aurea; caraibinha para H. ochraceus; ipê-amarelo-da-mata para H. chrysotricus e H. serratifolius; ipê-amarelo-do-brejo para H. umbellatus; ipê-branco-rosa, ipê-branco e itaipoca, para T. roseo-alba; e ipê-branco para T. insignis e T. obtusifolia. Portanto, ao contrário do que muitos pensam, existe mais de uma espécie de ipê-roxo, ipê-amarelo e ipê-branco.
O espetáculo proporcionado pelos ipês geralmente se inicia no final de fevereiro ou começo de março, quando as flores do ipê-branco da espécie T. insignis começam a desabrochar em cachos discretos, quando comparados com os das demais espécies. O embelezamento das paisagens se acentua no meado de maio, quando os ipês-roxos e a caraíba começam a emitir cachos de botões florais que logo se transformam em agregados de flores grandes e vistosas, chamados inflorescências. Em seguida vem a floração da caraibinha, dos ipês amarelos da mata e finalmente, já em fins de agosto ou início de setembro, a floração do ipê-branco ou ipê-branco-rosa.
O período de florescimento dos ipês dura de 4 a 5 meses, portanto, e além de causar deslumbramento no ser humano é uma dádiva para a fauna. No período fértil, as flores exalam um perfume suave e agradável, que atrai vespas, mamangavas, abelhas, borboletas e beija-flores, que recolhem o néctar e o pólen que elas produzem. Após esse período, elas caem e são apanhadas por animais terrestres, como o veado-campeiro e o mateiro.
A duração do florescimento dos ipês difere entre as espécies, entre as populações e até de indivíduo para indivíduo, mas em geral é curta, variando de 30 a 45 dias. Os ipês-roxos (H. heptaphyllus e H. impetiginosus) e o ipê-branco-rosa (T. roseo-alba) costumam apresentar um segundo fluxo de flores, entre 10 e 30 dias após o primeiro e geralmente sem dar origem a frutos.
Os frutos são longos, cilíndricos ou fusiformes, secos e constituídos por duas valvas que se abrem e liberam as sementes quando ainda estão presos à planta, evento que ocorre num prazo de 35 a 50 dias após a queda das flores. As sementes são planas, aladas e dispersas pelo vento; e muitas vezes são predadas por periquitos e insetos, nos frutos em maturação. Porém, apresentam altas taxas de germinação quando selecionadas e semeadas em substrato rico em matéria orgânica e regado com frequência.
A maioria dos ipês do Cerrado floresce sem folhas, quando a umidade do solo e do ar estão baixas, a insolação está alta, a temperatura por vezes está muito elevada e o ar está seco e poluído por poeira e cinzas. Tudo isso faz com que muitas pessoas os vejam como exemplos de coragem, resistência, altivez e persistência.
Porém, existem pessoas os enxergam apenas pelo lado utilitário, ou seja, como plantas boas para uso em paisagismo, recomposição de áreas desmatadas, como fornecedores de madeira e como fonte de substâncias com propriedades anticancerígenas, ansiolíticas e analgésicas, entre outras. No século passado, quando os cientistas descobriram que a casca dos ipês-roxos contém lapachol, uma substância que combate certos tipos de câncer, suas populações sofreram grandes desfalques no Brasil, devido ao extrativismo de forma indevida desse material.
Quando, em 1961, o presidente Jânio Quadros promulgou uma lei designando a flor do ipê-amarelo da Mata Atlântica (Tabebuia vellosoi, atualmente Handroanthus vellosoi) como Flor Símbolo do Brasil, pensou-se que os ipês de um modo geral passariam a ser mais preservados. No entanto, com a expansão e a intensificação das atividades econômicas no país, aconteceu o inverso e hoje a maior parte dos ipês está sob ameaça de extinção.
Todos os ipês do Cerrado estão nessa situação. Cabe a nós a tarefa de conhecer, preservar, multiplicar e cultivar as várias espécies existentes. Se assim não procedermos, o Cerrado e o Brasil em breve perderão um dos mais importantes legados da Natureza nesta parte da Terra.
Obs.: Existe em grande parte das cidades do Cerrado e de quase todo o resto do Brasil, uma espécie de ipê de flores róseas que a maioria das pessoas chama de ipê-roxo e considera nativa. Porém, trata-se do ipê-rosa (Tabebuia rosea), natural do México e América Central e muito utilizado em arborização na região neotropical. Apesar de ser originária de regiões com clima similares ao do Brasil, essa espécie não se tornou invasora e ainda não foi acusada de ser prejudicial aos nossos ecossistemas. Esperemos que continue assim.