O Cerrado enfrenta uma situação crítica. No ano passado, o desmatamento avançou a um ritmo alarmante, superando, inclusive, a destruição da Amazônia. Porém, existe um aspecto muito importante nesse processo: grande parte desse desmatamento é considerado legal. O modo como esses processos de autorização e monitoramento da supressão de vegetação tem sido motivo de grande preocupação entre ambientalistas, órgãos de controle e representantes do CONAMA.
No Seminário Técnico-Científico de Controle e Transparência sobre as Autorizações de Supressão da Vegetação, realizado pelo Ministério do Meio Ambiente e pela iniciativa Tamo de Olho no dia 29 de agosto, especialistas de todo o país mostraram como a lei tem sido frequentemente desrespeitada na emissão de Autorizações de Supressão da Vegetação (ASV).
“Algumas regiões do país estão emitindo autorizações sem controle, sem transparência e, muitas vezes, sem respeitar os critérios técnicos. Áreas importantes, com espécies ameaçadas, têm sido autorizadas para desmatamento”, afirmou o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho.
Dados alarmantes
Segundo a lei, a concessão de ASVs deve seguir critérios técnicos, levando em conta a importância ecológica da área e a presença de espécies ameaçadas. Porém, o que se tem visto são muitas autorizações sendo emitidas de forma irregular, por órgãos que não possuem a competência legal e sem informações técnicas essenciais.
- No Brasil, a média de desmatamento legal é de 4,7%. No Cerrado, essa taxa chega a ser 10 vezes maior, segundo dados do Instituto Centro de Vida (ICV). No Mato Grosso, 27% do desmatamento é autorizado. No Tocantins e na Bahia, chega a ser metade do total (48% e 52%).
- O MapBiomas estima que estima que, no ano passado, 15% do desmatamento no país foi feito legalmente, com Autorização de Supressão Vegetal.
- Nas maioria das vezes, as ASVs não mencionam o Código do Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou o Conjunto de Coordenadas da Poligonal
- Cerca de 14% das ASVs são emitidas por municípios.
““Nós verificamos um padrão de liberação massiva de ASV e outorgas sem o devido rigor, ou seja, desmatamento autorizado, mas irregular”, afirmou a pesquisadora Margareth Maia, do Instituto Mãos da Terra (Imaterra), a partir de um estudo com 5.000 ASVs emitidas na Bahia.
Emissão descontrolada
De acordo com Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA) a emissão de ASVs é de competência dos órgãos estaduais de meio ambiente. “Não nos posicionamos contra os municípios atuarem na emissão de ASVs. Mas a Lei Complementar nº 140 traz requisitos para que isso aconteça”, disse o promotor Alexandre Gaio.
E mais: só servidores técnicos concursados podem emitir esse tipo de licença: agrônomo, engenheiro florestal ou biólogo, nunca ocupantes de cargos comissionados. “É preciso uma fundamentação, um parecer técnico, para saber se aquelas informações e documentos são suficientes ou verdadeiros para fins de dar suporte à decisão administrativa.”
No final do evento, representantes do Ibama, do Ministério Público, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e da sociedade civil debateram propostas para reverter essa situação.
“Com esse plenário, a sua diversidade, a academia, o setor produtivo, a sociedade civil, as comunidades tradicionais, o governo, temos tudo para construir uma agenda comum consensuada, capaz de contribuir de forma efetiva com a solução desse problema”, afirmou o diretor-executivo da Funatura, Pedro Bruzzi.
Próxima rodada
No dia 18 de setembro, haverá um segundo evento para consolidar essas sugestões e enviá-las ao Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas no Brasil (PPCD).
“Essas autorizações são instrumentos de controle, de precaução de danos. Servem para conservar a nossa biodiversidade e proteger direitos”, afirmou Ana Carolina Crisostomo, líder de Conversão e Desmatamento Zero do WWF Brasil.