Artigo de César Victor do Espírito Santo
Publicado no Correio Braziliense, 01/05/2025
O Brasil caminha para uma situação extremamente preocupante que, em algum momento não muito distante, entrará em uma fase de não retorno — ou seja, seremos levados a um colapso ambiental e social sem precedentes.
Em termos de desenvolvimento sustentável e da proteção ambiental, podemos afirmar, sem medo de errar, que o que se processa no Brasil atual é uma forte preponderância de elaboração de leis e de execução de políticas públicas que vão em sentido contrário ao que é constatado pela ciência ou que deveria ser feito seguindo o bom senso.
As principais causas da emissão de gases que acarretam o efeito estufa e aumentam a temperatura em nosso país são provenientes da produção agropecuária voltada para a exportação de commodities e da produção e queima de combustíveis fósseis. Logo, o mais sensato seria elaborar leis e adotar programas governamentais que limitem a emissão de gases do efeito estufa (GEE) relacionados com esses dois segmentos. Mas o que acontece é justamente o contrário.
Vejamos:
- O governo federal insiste na obtenção de licenças para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas ou para a construção de estradas na Amazônia, como o asfaltamento do trecho central da BR-319, que conecta Manaus a Porto Velho, projetos que acarretarão o aumento da emissão de GEE. É lamentável a pressão que fazem sobre o Ibama, com estudos tendenciosos, com visão de curto prazo, que interessam fundamentalmente ao mercado, sem apresentar os cenários futuros sobre os impactos socioambientais.
- O Congresso Nacional aprova uma Reforma Tributária, que tem, entre seus dispositivos, isenções fiscais para atividades ligadas ao Agro que acarretarão mais desmatamentos (principal fator de emissão de CO₂) ou para atividades ligadas aos combustíveis fósseis, aumentando a emissão de gás carbônico na atmosfera.
- Projetos de lei apresentados pela bancada do Agro têm sido aprovados com flexibilizações de regras de proteção ao meio ambiente e que levam a mais desmatamento.
- O governo federal aumenta, ano após ano, os valores para financiamento dos Planos Safras voltados para a produção de commodities, principal fator de desmatamento, concedendo empréstimos a juros subsidiados e isenção fiscal a inúmeros insumos como agrotóxicos banidos em países desenvolvidos, sementes transgênicas, adubos químicos, maquinários etc.
- O orçamento da União apresentado anualmente pelo Poder Executivo e aprovado pelo Congresso Nacional para a área ambiental caiu, nos últimos 10 anos, para 0,09% do total. Como podemos fazer alguma diferença na gestão ambiental com um orçamento tão irrisório? Menos que 0,1%.
Outros exemplos de descaso com a proteção ambiental são verificados nos níveis estaduais e municipais, o que só corrobora a afirmação de sermos um país negacionista climático.
No Distrito Federal, há um projeto absurdo de implantação de uma usina termoelétrica que trará impactos ambientais e sociais incomensuráveis, além de projetos de novas cidades aumentando a ocupação desordenada e predatória.
No Rio Grande do Sul, após a catástrofe das enchentes, não se vê ações fortes e necessárias para que esse tipo de desastre não aconteça mais. Continuam com leis ambientais flexibilizadas e com soluções paliativas que não vão resolver a questão no longo prazo.
Nos estados do Matopiba (região que se estende por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o desmatamento do Cerrado continua a todo vapor, de forma legalizada e incentivada. Megaprojetos de irrigação no sudoeste baiano estão contribuindo para o rebaixamento do lençol freático, secando lagoas, veredas, nascentes, rios, entre outros corpos d’água.
Os eleitores, na maioria das vezes, acabam votando nos políticos de forma passional, pensando apenas no segmento que mais interessa. Dificilmente votam considerando o posicionamento dos candidatos em relação ao conjunto de questões que envolvem a sua atuação, seja nos parlamentos, seja no Executivo.
É comum políticos levantarem uma bandeira que seja abrangente na sociedade, de forma simplista e conservadora, geralmente relacionada com a pauta de costumes, como o porte de armas, o combate às drogas, os direitos dos LGBTQIA+, o aborto, a religião, entre outras, sem aprofundar sobre os diferentes aspectos que envolvem essas questões.
Outros temas passam batidos ou são levantados superficialmente, como a sustentabilidade do modelo de desenvolvimento adotado pelo país ou a proteção ao meio ambiente. Dessa forma, são dados “cheques em branco” sobre a condução desses temas, permitindo que parlamentares e governantes façam o que bem entendam ou o que mais lhes convém, conforme os apoios recebidos, especialmente os financeiros.
Acredito que somente com a conscientização do eleitor, com uma ação forte e organizada da sociedade civil, com uma imprensa e mídias sociais comprometidas em pautas do real interesse do desenvolvimento sustentável do país e com a democracia fortalecida, será possível reverter essa tendência.
Do contrário, continuaremos sendo um país negacionista climático.